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Nascemos para a música 19 de Março de 2013

ng1335705_435x200Os sons musicais seduzem-nos e agem sobre nós como uma droga. A relação entre a música e o cérebro é complexa e vai ser estudada em Maio, num simpósio em Lisboa.

Há meia dúzia de anos, a brasileira Lovefoxxx (nome de guerra de Luísa Matsushita), da banda Cansei de Ser Sexy, declarava: «From all the drugs the one I like more is music [de todas as drogas, a música é a de que eu gosto mais]». Esta canção foi um dos grandes êxitos da banda de São Paulo, que teve fama mundial e existência efémera. E nem por acaso se chamava ‘Music is my hot hot sex’.

E não é que tinha razão? Em laboratório, Robert Zatorre, da Universidade McGill (Canadá), já demonstrou que a música chega ao nosso cérebro como uma droga. A culpa é da dopamina, diz o investigador canadiano. É através da libertação desta substância que se produzem, no cérebro, sensações gratificantes, agradáveis, como as causadas por uma boa refeição ou até por drogas psicoactivas. Isso mesmo, drogas. E tal como elas – e aqui entra a parte da intuição científica de Lovefoxxx – pode causar ‘dependência’.

O tema já é estudado há anos e será um de muitos a abordar num simpósio que se vai realizar em Lisboa a 25 de Maio, ‘Music, Poetry and the Brain’ (a Música, a Poesia e o Cérebro, o programa pode ser consultado em http://www.musicpoetrybraim.com), na reitoria da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Entre os coordenadores do programa estão o próprio Zatorre e Armando Sena, da Faculdade de Ciências Médicas da UNL. Além deles – Sena apresenta a comunicação ‘Wagner e a Ciência’, a propósito do pensamento do compositor alemão sobre a música e a sua relação com a poesia – poderemos contar, por exemplo, com António Damásio e grandes investigadores da neurociência da música, como Daniele Schön ou Timothy Griffiths, entre outros.

Chaves terapêuticas

Mas por que razão é a música um estímulo tão forte para a nossa ‘massa cinzenta’? A resposta é ainda tão difícil quanto a pergunta, mas investigadores em vários cantos do mundo têm conseguido, apoiados em tecnologias como as imagens de ressonância magnética, fazer um pouco mais de luz sobre o ‘como’ da questão e não sobre o ‘porquê’. No centro da investigação de Zatorre, por exemplo, está a forma como as ligações cerebrais são estabelecidas pelo cérebro quando ouvimos música.

Para uma melhor observação dessas conexões, a equipa canadiana recorreu a cegos e a músicos profissionais. Tanto uns como outros têm uma percepção auditiva acima do comum dos mortais. Mas o alcance desta área de investigação é maior. Zatorre e o seu grupo analisam o modo como o cérebro se reorganiza perante novos estímulos: «Se entendermos este mecanismo, isso é uma espécie de chave que iria destrancar um grande leque de possibilidades», explicou o investigador a uma revista especializada. «Podíamos aplica-lo a qualquer desordem associada a lesões», como AVC ou Parkinson, por exemplo.

A música é mote para entender patologias? A equipa não vai tão longe ainda. O que interessa agora é entender o circuito cerebral que a música desencadeia. Há alguns anos, o mesmo grupo estudou vários pacientes submetidos a determinados graus de dissonância. Observaram que «diferentes áreas do cérebro eram activadas em função do grau de dissonância ou consonância», diz ao SOL Armando Sena. «As pessoas associaram em geral maiores níveis de consonância a sensações agradáveis, relaxantes ou calmas». Mas os dissonantes também desempenhavam um papel interessante.

Por outro lado, sons que invocassem tristeza ou medo também podem ser agradáveis. «Observou-se que uma área cerebral designada amígdala é necessária para processar essas emoções de medo ou tristeza da música, mas não quando esta invoca a alegria», continua Sena.

A pauta do cérebro não deixa de ser surpreendente. No estudo mais recente, Robert Zatorre e a equipa descobriram que a experiência do ‘pico’ do prazer musical pode iniciar-se antes de acontecer. Essa capacidade de antecipação tem a ver com a dopamina. «A libertação de dopamina na área cerebral designada estriado não é só um sinal da presença ou consumo de estímulos gratificantes (ou de prazer)», avança Armando Sena. «Esta é também um sinal preditivo ou antecipador da sua provável ocorrência».

Mas há mais surpresas. O simpósio também vai ocupar-se da poesia e o modo como a palavra é guiada pelas nossas conexões cerebrais. Não se confunda com isto a palavra cantada. «Os processos cerebrais necessários para a linguagem das palavras não são sobreponíveis aos requeridos para a linguagem da música». Num GPS cerebral, as coordenadas para as duas, palavra e música, seguem por caminhos diferentes. «Contudo, há também áreas e conexões utilizadas em comum por essas duas formas de linguagem», conclui Armando Sena. Podemos, por exemplo, «ficar limitados na expressão e na compreensão semântica das palavras, mas não na prosódia ou no canto. Esta dissociação tem sido aliás explorada com fins terapêuticos, como em AVC ou no autismo». Daí que os estudos sugiram que o som musical tem um papel primordial até para a aprendizagem da ‘linguagem das palavras’. Não é à toa que a música é considerada a primeira das sete artes…

12 de Março, 2013 SOL